Reflexões sobre a segurança de produtos

A questão de toxicidade de ingredientes é, tipicamente, o que se pode chamar de "tema controverso": Há coisas muito sérias que são pouco discutidas e, por outro lado, assuntos de pouca relevância ganham a mídia e podem até ser considerados "cortina de fumaça"...
Eu, particularmente, acredito sim que seja possível formular produtos sem ingredientes nocivos à saúde, mas antes de qualquer coisa o que é essencial é compreender a diferença que existe entre PERIGO e RISCO.
O PERIGO é uma propriedade intrínseca da substância, e representa o seu potencial de causar algum tipo de dano específico. É, portanto, uma avaliação qualitativa. Já o RISCO representa a probabilidade daquele perigo acontecer, ou seja, é uma avaliação quantitativa.
Um dos exemplos mais claramente compreensíveis é o da gasolina. A gasolina é um líquido inflamável, ou seja, ela representa o PERIGO de um incêndio. Mas o fato de ter gasolina por perto não quer dizer que obrigatoriamente haverá um incêndio. Precisa haver uma condição específica para que o perigo se manifeste. Assim, o transporte de gasolina em containers apropriados como os tanques de gasolina dos automóveis tornam a probabilidade de incêndio quase nula. A prova disso é que circulam na cidade milhões de automóveis diariamente e não se vê carros pegando fogo ou explodindo o tempo todo.
Da mesma forma, quando se fala do risco representado por qualquer ingrediente ou produto, deve-se considerar a exposição do consumidor, e nessa consideração leva-se em conta não apenas a toxicidade intrínseca do ingrediente, mas também a quantidade usada diariamente, a área corporal exposta e a frequência de aplicação e o potencial de permeação do ingrediente através da pele. Com isso, chega-se a valores de exposição diários (dose de exposição sistêmica) para cada ingrediente, que são então utilizados para verificar se, naquela condição, o consumidor estaria exposto a qualquer risco.
Essa avaliação é feita considerando diversos desfechos toxicológicos (endpoints), procurando-se trabalhar a doses máximas de 100 vezes menores que aquelas nas quais algum possível efeito ocorra.
Mas quando se fala de substâncias carcinogênicas (substâncias que provocam câncer, por mutação gênica ou por outros mecanismos), mutagênicos (substâncias que provocam mutação nos genes) ou reprotóxicos (substâncias que de alguma forma prejudicam o processo reprodutivo) temos um cenário diferente: nesses casos, os ingredientes são normalmente evitados se for observado um risco de exposição sistêmica, ainda que se garantindo margens de segurança elevadas.
Qualquer substância pode, a princípio, causar mal ao organismo. Vamos pensar, por exemplo, na própria água. Essencial à vida, e quando aspirada ou ingerida em quantidades exacerbadas, pode ser letal.
Da mesma forma são os ingredientes ou mesmo novas tecnologias presentes em produtos cosméticos: há aqueles que sabidamente podem provocar algum efeito nocivo, ainda que a exposição seja ínfima, porém há ingredientes que, mesmo apresentando algum potencial efeito tóxico, pelas condições de uso não representam qualquer risco. Há ainda uma terceira categoria, essa sim mais preocupante: a dos ingredientes e produtos sobre os quais se tem pouca ou nenhuma informação. Nessa categoria podem se encaixar não apenas novas substâncias sintéticas, mas muitos extratos botânicos e tecnologias como os nanocosméticos por exemplo.
Nos casos específicos que você cita, há alguns que sabidamente são preocupantes e outros que, infelizmente, levam a fama por conta de “primos” perigosos, além daqueles que não representam absolutamente nenhum risco, e poderiam inclusive ser considerados “lenda urbana”.
Um caso típico dos “primos perigosos” é o dos parabenos, compostos usados como conservantes antimicrobianos.
O metil e o etilparabeno (os menores deles) não têm qualquer tipo de afinidade com receptores estrogênicos e não oferecem qualquer risco, ainda que mínimo. O propilparabeno, um pouco maior, tem um leve efeito, mas se considerarmos sua atividade estrogênica e a quantidade usada para a preservação de um cosmético e a permeação cutânea, temos como resultado uma atividade de cerca de um milésimo daquela exercida pelo estradiol, o hormônio presente em diversos anticoncepcionais, por exemplo. Já o próximo composto da série com um carbono a mais, o butilparabeno, apresenta risco quando utilizado nas condições necessárias para exercer seu efeito antimicrobiano. Assim, metil, etil e propilparabeno podem ser considerados seguros nas condições de eficácia de preservação, enquanto que os parabenos de cadeia longa a partir do butilparabeno não seriam seguros. Porém, ficaram todos conhecidos como “os parabenos” e mesmo o metil e propil, que eram muito usados, caíram em desuso por conta da má fama.
Como resultado, temos um grande problema: esses conservantes são os menos alergênicos que existem. Com a sua eliminação do portfólio de conservantes possíveis de serem utilizados, o consumidor passou a ficar mais exposto aos demais conservantes, e o numero de casos de alergias começou a aumentar.
O caso do triclosan é diferente: não se consideram os efeitos nocivos à saúde humana, mas o risco ambiental do mesmo. Hoje se atribui à contaminação das águas com triclosan o surgimento de algumas superbactérias, e no mundo todo há campanhas para seu banimento sendo que na Noruega, por exemplo, o tricolsan foi banido já há vários anos. Várias empresas já baniram o triclosan no Brasil, mas infelizmente por questões tributárias, ele é mantido nas deo-colônias, a despeito da séria questão ambiental que representam.
Para os ftalatos, um cenário mais complexo é apresentado: alguns ftalatos usados principalmente como agentes plastificantes, apresentam um potencial efeito reprotóxico e por isso têm sido banidos de embalagens de cosméticos e alimentos. Tem-se observado que a presença de ftalatos no plasma sanguíneo de gestantes e bebês está diretamente relacionado a deficiências congênitas e alterações nos padrões de desenvolvimento dos bebês, embora para alguns deles, como o dietilftalato usado como amargante, não seja possível correlacionar diretamente o efeito. Não há, portanto, evidência clara que o dietilftalato ofereça qualquer perigo, e seu uso tem uma grande relevância posto que serve como amargante ainda que a diminutas concentrações, evitando assim possíveis envenenamentos especialmente em produtos infantis. Ainda assim, muitas empresas buscaram alternativas ou mesmo retiraram os amargantes de sua fórmula, o que pode se traduzir como um novo risco para o consumidor.
O banimento de diversos filtros solares merece uma atenção especial, e os discutiremos em uma postagem isolada.
Finalizando, temos as lendas urbanas e com certeza sais de alumínio em desodorantes e laurilsulfato de sódio em shampoos são as duas campeãs. Entra ano, sai ano, aparece alguma publicação referenciando os dois, mas em nenhum trabalho sério o tipo de risco alegado foi comprovado: pelo contrário, os estudos corroboram cada vez mais sua segurança.
Mas, perigosas mesmo em um cosmético são a falta de controle de qualidade e a ausência de avaliação de risco. É essencial que se conheça a procedência dos ingredientes, que sejam mantidos adequadamente estocados com reanálises periódicas, e que sejam corretamente manipulados: infelizmente, boa parte dos eventos adversos causados por cosméticos ocorrem pelo que não está escrito no rótulo. Enfim, é essencial garantir que os princípios de Boas Práticas de Fabricação sejam atendidos, assim como os perigos toxicológicos devidamente identificados e gerenciados.